domingo, maio 29, 2005

Será então o NÚCLEO fundamental? (parte 2)

Tinha-se, pois, chegado à conclusão de que a carga nuclear de um elemento era igual ao seu número atómico. Assim, o hidrogénio teria carga +1, o hélio +2, o lítio +3 e por aí adiante. No entanto, a composição do núcleo atómico não estava ainda totalmente elucidada.

Uma outra pista sobre este aspecto surgiu de experiências de dispersão a. Ernest Marsden questionava-se sobre o que aconteceria se bombardeasse núcleos leves com raios a (ver artigo). Quando, em 1914, aceitou um cargo como professor na Nova Zelândia, deixando assim incompletas as suas investigações (devido à falta do equipamento necessário, indisponível nos laboratórios da sua nova instituição) Rutherford, com quem trabalhara, decidiu prossegui-las ele mesmo. Contudo, a História interveio e fez com que Rutherford só continuasse as experiências quatro anos mais tarde, após o fim da 1ª Guerra Mundial (1918).
Quando fez incidir partículas a sobre nitrogénio gasoso (N2), notou algo estranho: algumas das cintilações que surgiam no seu detector não pareciam provir nem das partículas a nem dos átomos de nitrogénio; pareciam cintilações típicas de núcleos de hidrogénio. Começou por pensar que estes núcleos provinham da fonte de rádio (88Ra) que utilizava como emissor de partículas a. Só posteriormente chegou à conclusão de que afinal provinham dos próprios átomos de nitrogénio! Sucedia que alguns dos átomos de nitrogénio se estavam a desintegrar quando eram atingidos pelas partículas a: Rutherford estava a transformar átomos de nitrogénio (7N) em átomos de oxigénio (8O). A sua experiência convenceu-o de que os átomos de nitrogénio continham núcleos de hidrogénio no seu interior, o que significava que os núcleos de hidrogénio eram partículas fundamentais. Rutherford deu-lhes o nome de protões, do grego "protos" que significa "primeiro".

Rutherford concluiu assim que todos os núcleos deveriam ser constituídos por protões e electrões. As partículas a, ou núcleos de hélio (2He), seriam constituídos por 4 protões e 2 electrões interligados por forças eléctricas. O núcleo de lítio (3Li) teria 7 protões e 4 electrões. E assim sucessivamente...

Se 2 electrões se podiam associar a 4 protões, seria possível associar 1 electrão a 1 protão? Rutherford pensava que sim. A hipotética partícula, a que ele chamou de neutrão, teria propriedades pouco comuns, como o facto de ser capaz de atravessar a matéria e penetrar no núcleo.
Dois dos seus alunos realizaram experiências com o intuito de localizar as tais duplas electrão + protão, ou seja, os neutrões... mas não encontraram qualquer manifestação da sua presença. Rutherford fizera a sua previsão da existência do neutrão em 1920, mas só 12 anos mais tarde viria a ser descoberto, pelo seu assistente James Chadwick.

Em 1930 os físicos alemães W. Bothe e H. Becker descobriram algo estranho. Quando bombardeavam berílio (n.º atómico 4) com raios a, este elemento emitia uma radiação neutra capaz de penetrar 200 milímetros de chumbo, ao passo que um protão conseguia penetrar menos de 1 milímetro! Enquanto Bothe e Becker, juntamente com a filha de Marie Curie, Irene Joliot-Curie e o seu marido, Frederic, diziam que a radiação do berílio observada eram raios gama, Chadwick pensava ter finalmente descoberto os neutrões (depois de duas tentativas falhadas em 1923 e 1928). Para testar a sua hipótese, Chadwick montou uma experiência na qual colocou um pedaço de berílio numa câmara de vácuo, juntamente com algum polónio. O polónio emitia raios a, que atingiam o berílio. Quando atingido, o berílio emitia por sua vez os misteriosos raios neutros. No percurso desses raios, Chadwick colocou um alvo. Quando os raios atingiam o alvo provocavam a libertação de átomos para o exterior. Estes átomos, carregados electricamente (devido à colisão) viajavam até um detector, o qual consistia numa câmara cheia de gás. Sempre que uma partícula carregada atravessava esta câmara, as partículas de gás ficavam ionizadas. Os iões eram, então, desviados para um eléctrodo. Chadwick podia assim medir a corrente que passava no eléctrodo, com a qual podia contar os átomos e estimar a sua velocidade.
Chadwick utilizou alvos feitos de diferentes elementos, medindo a energia necessária à ejecção de electrões de cada alvo. Os raios gama não podiam explicar a velocidade dos átomos. A única boa explicação para o seu resultado... era uma partícula neutra.

De forma a provar que a partícula era de facto o neutrão, Chadwick mediu a sua massa. Como não a podia medir directamente, mediu a massa de tudo o resto envolvido na colisão e usou esses dados no seu cálculo. Para a sua medida, Chadwick usou boro - 5B (que, tal como o berílio, emitia a radiação neutra). Bombardeou-o com raios a e colocou um alvo de hidrogénio no percurso dos raios neutros libertados pelo boro. Quando os raios atingiam o alvo, os protões eram libertados. Chadwick mediu assim a velocidade dos protões. Usando as leis de conservação do momento e energia, calculou a massa da partícula neutra. Ela tinha 1,0067 vezes a massa do protão.
A radiação neutra era realmente o tão procurado neutrão.

quarta-feira, maio 18, 2005

Será então o NÚCLEO fundamental? (parte 1)

Devido à sua aparência sólida e densa, os cientistas pensaram inicialmente que o núcleo era uma partícula fundamental com carga positiva. No entanto, mais tarde, descobriram que este na realidade não era indivisível...

No início do século XIX, Frederick Soddy estava confuso. O decaimento radioactivo transformava os átomos de um elemento em átomos de outro elemento. Mas como?

Os elementos encontravam-se listados, por volta de 1800, de acordo com o seu número atómico. Este encontrava-se definido de acordo com uma escala na qual o átomo de carbono pesava exactamente 12 unidades. Assim, a massa atómica do hidrogénio seria de aproximadamente 1, a do hélio aproximadamente 4 e assim sucessivamente. Depois da criação da Tabela Periódica dos Elementos, por Mendeleyev em 1869, conforme já tinhamos visto no post anterior, os elementos começaram a ser classificados de acordo com as suas propriedades químicas mais, ou menos, semelhantes.

Soddy, regressando agora ao tema do decaimento radioactivo, pediu ao seu colega, Alexander Fleck, que analisasse os produtos do decaimento do urânio, 92U, e do tório, 90Th, dois metais de transição da família dos actinídeos. Os resultados da análise foram comparados com a Tabela Periódica (TP). Soddy reparou que sempre que um elemento emitia uma partícula a (um núcleo de hélio, 2He), produzia um elemento duas casas para a esquerda, ou seja, decaía para um elemento de número atómico inferior. Quando um elemento emitia electrões, produzia um elemento uma casa para a direita, portanto, decaía para um elemento de número atómico superior. Assim, por exemplo, o polónio-218 (ou seja, polónio com massa atómica 218) emitiria uma partícula a produzindo chumbo-214. Este último emitiria um electrão dando origem a bismuto-214. Por fim o bismuto-214 emitiria por sua vez um electrão, produzindo polónio-214.

Parece confuso? Imaginem a confusão que foi para os cientistas que o observaram pela primeira vez! Levou muitos anos até os radioquímicos descortinarem o que se passava nos meandros dos decaimentos radioactivos...

Quando um elemento radioactivo emitia uma partícula a e dois electrões, acabava por ficar no mesmo local da TP, mas estava mais leve - quatro unidades de massa atómica mais leve. Um elemento podia ter até 4 massas atómicas diferentes. Soddy chamou isótopos a estas formas distintas do mesmo elemento. A palavra isótopo significa "o mesmo lugar", uma vez que estes elementos ocupavam o mesmo local na TP: assim, todos os isótopos têm o mesmo número atómico.

O decaimento a, que tem sido aqui falado, não é o único tipo de decaimento que ocorre na natureza. De facto, existem três tipos de decaimento: a, b e g. Cada um deles se refere ao tipo de partícula emitida quando ocorre o decaimento do átomo. No caso do decaimento b a partícula é um electrão (e-) ou um positrão (e+): o caso que se tem estado a considerar é o do electrão, razão pela qual o elemento anda uma casa para a direita na TP, dado que o electrão é libertado para que um neutrão seja convertido num protão - contudo, na altura ainda não se sabia da existência do neutrão, cuja descoberta discutiremos mais à frente. Por fim, o decaimento g é a forma mais comum de desexcitação dum átomo, já que a partícula g emitida é, neste caso, um fotão.
Voltemos, no entanto, à questão do número atómico.

O que nos diz o número atómico sobre um átomo?

O físico holandês Antonius van den Broek pensava que o número atómico correspondia ao número de unidades de carga eléctrica contidas no núcleo. Convém referir que uma unidade de carga corresponde à carga eléctrica de um ião de hidrogénio. Um electrão tem carga -1. Uma partícula a (núcleo de He) tem carga +2.

Assim, de acordo com van den Broek, o núcleo de hidrogénio teria carga +1. O núcleo de ouro, por exemplo, o septuagésimo nono elemento da TP, teria carga +79. Soddy concordou com a previsão de van den Broek, pois esta explicava a sequência de decaimentos radioactivos observada. Quando, por exemplo, um átomo de polónio (elemento n.º 84) emitisse uma partícula a, perderia duas unidades de carga nuclear. O que ficava era um átomo de chumbo (elemento n.º 82). Quando o átomo de chumbo emitisse um electrão, ganhava uma unidade de carga e tornava-se em bismuto (elemento n.º 83). Se emitisse mais um electrão, o bismuto ganharia mais uma unidade de carga e tornar-se-ia polónio.

A conclusão final sobre a hipótese de van den Broek chegou com as experiências de Henry Mosely. Este cientista usou raios catódicos para desviar os electrões atómicos das suas órbitas. Quando os electrões regressavam à órbita que haviam deixado ocorria emissão de radiação electromagnética. Segundo a teoria atómica de Bohr, o salto de um electrão para a órbita mais interna de um átomo pesado provocava a emissão de raios-X (RX). A partir do comprimento de onda (c.o.) dos RX emitidos, Mosely podia calcular a carga do núcleo...

Se bem o pensou, melhor o fez. Mediu o c.o. dos RX de 38 elementos, desde o alumínio (massa atómica 27) até ao ouro (massa atómica 197) - é preciso não esquecer que nem todos os elementos eram ainda conhecidos na época em que Mosely realizou estas medições. Porém, as conclusões foram determinantes: conforme percorria a TP, elemento a elemento, descobriu que a carga do núcleo aumentava de 1 unidade. Indubitável, meu caro Mosely: estava provado que a carga nuclear é igual ao número atómico do elemento.

(to be continued...)